sexta-feira, 25 de junho de 2010

Escolhendo...


Tenho refletido sobre escolhas. Desde pequenos somos expostos a inúmeras opções, das quais precisamos escolher uma. Apenas uma. E confesso: decisão nunca foi meu ponto forte. E tenho a impressão de que cada fase da vida complica mais. Aliás, convicção.

Tenho saudade de quando o mais difícil era escolher entre o leite com Nescau e o leite com Quick. Quando a dúvida persistia por horas, acabava misturando os dois e até que ficava bom. Depois, escolher entre jogar bola ou andar de bicicleta. Às vezes, ainda era possível intercalar. Por fim, já na escola, tinha que escolher entre sentar com a Juliana ou com a Érica. Era demasiadamente difícil para mim, já que a professora nunca deixava sentar em trio.

E assim sucessivamente: escolher entre as aulas de inglês e as de natação, entre ir ao cinema ou à lanchonete, entre o Leonardo e o Rodrigo, entre fazer um curso técnico ou cursinho. Como foi ficando complicado!

Tive que escolher amizades, atitudes, escolher entre rock e pagode, entre certo ou errado, entre ler ou escrever, escolher entre cabelo loiro ou vermelho (tentei as duas cores de uma vez, mas não deu muito certo), escolher em que – ou em quem – acreditar, escolher entre sonho e realidade. Sim, um dia eu escolhi o sonho, mas a vida insistiu em me jogar com força pra realidade. Descobri, então, que algumas escolhas não dependem exclusivamente de nós.

Cresci, e tive que escolher uma profissão, uma faculdade. Ok, foram algumas tentativas: magistério, desenho industrial, enfermagem. Enfim, me formei em publicidade. E não sei se era isso mesmo. Aliás, era sim. Mas quero mais do que isso. Escolher a cidade. Ah, essa decisão ainda está com o processo em andamento. Na verdade pretendo não demorar mais que um ano para a sentença final. Final, mas nunca irreversível.

Escolher caminhos, pessoas, carreira. Escolher o que realmente queremos para nossa vida. Escolher entre o amor e o trabalho, a distância e o conforto, meu lar e o mundo. Pergunto: por que escolher é tão difícil? Talvez porque toda escolha traz consigo uma perda. Não dá para abraçar o mundo, muito menos saber o que é realmente certo. Eu, mesmo colocando todas as características de cada escolha em uma balança, dificilmente chego à alguma conclusão.

É tentativa e erro. É preciso escolher um caminho e se jogar nele de corpo, alma, vísceras e coração. Se decidir voltar atrás, desde que isso seja possível, não vejo como sinal de fracasso. Fracasso é insistir em uma escolha errada. E errado, é não escolher SER FELIZ.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

A insustentável satisfação do ser


A velha impressão de que vivemos a espera de alguma coisa, não se sabe o quê, de alguém, não se sabe quem. A vontade de chegar à algum lugar, quando não há nenhum lugar para ir. Porque pensamos que a vida não pode ser “apenas isso". É a sensação de incompletude, de que algo nos falta para ser feliz, alguma coisa que nos preencha. Mas o quê?

Quando temos um bom emprego, falta-nos o amor, se temos o amor, falta-nos o emprego. Se temos ambos, então nos faltam os filhos, cachorros, amigos. E quando parece que tudo está completo, a surpresa: o amor se desfaz, os filhos se vão, o trabalho torna-se exaustivo. E começa o desassossego. É preciso viajar, trabalhar mais, fazer um curso, mudar de emprego, de mulher, de marido. Ninguém sustenta a satisfação por muito tempo. Quando menos se espera, bate o vazio, a sensação de que tudo está errado. E começamos a incessante busca por aquilo que nem sabemos o que é.

Um amigo, há um tempo atrás, dizia estar infeliz. Motivo: estava desempregado. Dois meses depois começou a trabalhar, tendo um salário razoavelmente bom. Novamente sentiu-se insatisfeito, o que o levou a pedir demissão e partir para um novo emprego que, segundo ele, era perfeito. Mostrou-se uma pessoa feliz durante os dois primeiros meses, quando começou a reclamar a falta de um amor. E se ele encontrasse o amor, certamente ainda lhe faltaria algo, era só questão de tempo.

Gangchen Rinpoche, um curador tibetano, fala sobre este sentimento de incompletude: "Frequentemente, sentimos falta de algo quase imperceptível, algo que não é mental, intelectual. Até mesmo nas situações privilegiadas, em que pensamos estar satisfeitos, logo surge esse sentimento sutil de que algo nos falta. Temos, então, a prova de que a vida material não é suficiente, e saímos em busca de algo mais espiritual. Esse algo que nos falta é encontrar e tocar nosso próprio potencial de paz.”

A expectativa também é um problema. Muitas vezes penso que a insatisfação venha do desejo de esperar que algo externo possa tornar-nos felizes. Uma mudança de cidade, de religião, uma nova aquisição material, talvez um novo namorado(a). Esperamos que, ao realizar todas essas ilusões, nossa vida dê um giro de 360 graus. Engano, claro. Em curto prazo pode parecer que está tudo bem, mas logo, lá está ela: a insatisfação do ser. Falta calmaria ou falta agitação. Falta alguém ou falta solidão. Falta tudo ou sobra demais.

É possível que nossa insatisfação sirva de alavanca aos nossos objetivos, incentivando a busca por novas ideias, por uma vida melhor. Possível, apenas. E às vezes me desespero. Pergunto-me se um dia, afinal, estaremos realmente felizes, completos. Mas parece que não existe vida plena. Talvez, apenas no último suspiro, com a sensação de missão cumprida, de final feliz. Enquanto isso, procuro significados e respostas. Pois soluções, provavelmente eu nunca encontre.

Ah, e quanto ao título do texto, fiz alusão ao livro “A insustentável leveza do ser”, que aborda sobre a leveza e o peso. Excelente livro de Milan Kundera, romancista tcheco, autor de diversas obras memoráveis. Penso que nossa insatisfação seja o “peso” que carregamos junto à vida. De qualquer forma, em ambos os casos, o problema é a própria existência, o problema é "ser".

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Cidade cinza


Cinza. Da cor da neblina, do sol quando se esconde por trás das nuvens, da poluição. Da cor da tristeza, do frio, do rijo concreto. Sim, da cor de São Paulo. Não tenho nada contra o cinza: ele é indiferente, medíocre. Tanto quanto a indiferença de gente que se evita, que se afasta, que se mata.

Cinza, da cor do metrô de uma cidade inóspita. Da cor da enxurrada que transborda o asfalto. Dos viadutos que engolem as ruas. Cinza, da cor da faca e da bala que correm soltas na sexta, no sábado, no domingo. Todo dia.

O cinza da fumaça do ônibus que atrasa e do trânsito que congestiona. Cinza das estradas, batizadas de avenidas, das pontes pelas quais nem se pode andar.

Cinza, da cor das grades, das pistas, dos fastigiosos muros que separam os vizinhos, os amigos. Todos apartados, tudo cindido. Cinza, como os quadriláteros restritos, onde a felicidade custa caro.

Cinza das ruas abandonadas, escuras, do boteco sujo, que às vezes é banhado por vermelho. Vermelho sangue. Vermelho, como a luz da sirene. E só, porque o resto é tudo cinza. Tudo espanta, amedronta. E às 19h todos fogem para suas casas, e se trancam, e olham o mundo de longe, por uma TV, às vezes branca, preta, e cinza.

Cinza, da cor das pichações desbotadas no topo dos prédios, dos monumentos. Pichações que agridem, que semeiam ódio. Cinza de mofo. Sentimentos mofados, porque para eles nem sempre há espaço. Nem tempo.

Cinza. Da cor do rio que corta a cidade. Da pobreza dos becos. Da cor do “pó” da indiferença, da solidão. Da cor do lixo.